Arte-educadora, artista plástica e professora de dança. Atuante como produtora cultural, e dona de uma capacidade incrível de desenvolver trabalhos com diversas linguagens artísticas. Mitsuyana Matsuno é uma artista independente plural.
Seu tamanho é inversamente proporcional ao seu talento. E haja tanto talento para uma pessoa só. No palco elaé enorme. Quem conhece de perto, ou até já viu de longe porventura alguma apresentação, sabe que nada disso é mentira. Abaixo você poderá conhecer um pouco mais desta personalidade incrível.
1 - Há quanto tempo você trabalha com Danças Orientais?
Há 12 anos.
2 - Como você começou nas danças orientais e como isso veio a se tornar uma profissão?
Comecei por acaso, fazendo aula com Sonia Shaddai (saudades demais!) e acabei me apaixonando. Dois anos depois me convidaram para ensinar em uma pequena academia, a School Dance, e aí continuei estudando, fazendo workshops e no ano seguinte estava em mais outras duas academias. Daí em diante não parei, a dança realmente é uma paixão eterna!
3 - Além da Dança do Ventre, você possui formação/experiência em outros tipos de dança?
Na verdade entrei na dança com 5 anos de idade, fazendo Ballet Clássico até os 9 anos. Daí veio uma parada quando iniciei os estudos em música, através do piano (dos 09 aos 19 anos), teatro (entre os 13 e 15 anos) e em 97 voltei p dança através da Dança do Ventre. Entre 2000 a 2005 comecei a estudar o Moderno e Contemporâneo e iniciei os estudos na Escola de Dança da UFBA, que infelizmente não tive condições de levar adiante, mas até hoje, sempre que tenho oportunidade, faço cursos e workshops, pois a dança contemporânea sempre foi grande fonte de inspiração e amor maior. Atualmente tenho atuado também como facilitadora/orientadora da Oficina de Dançaterapia no Centro de Cultura Maestro Miro. É realmente muito gratificante esse trabalho, que surgiu a partir de um estudo iniciado em 2003, através de um projeto de dança e autoconhecimento realizado em Cruz das Almas. Além disso, realizo um trabalho em conjunto com meu esposo, que envolve um extenso estudo e pesquisa com Educação Inclusiva, e através do domínio da LIBRAS, temos levado a música e a dança para o público surdo também, com a investigação rítmica, melódica e corporal. Temos o orgulho de ter como propagadora desse trabalho Lucélia Novaes, que é surda e que através dessas atividades que realizamos é hoje uma dançarina profissional, grande parceira, e que já ensina a outros surdos também a arte da dança árabe. Gostaria inclusive aqui de frisar e divulgar que as oficinas de Dançaterapia e Dança Árabe do Maestro Miro e Cuca tem as portas abertas para a comunidade surda, podendo se matricular em minhas turmas, sempre todo início de ano.
Mano Gavazza e Lucélia Novaes
"Chegando da Europa e indo direto pruma apresentação no teatro Amélio Amorim, encontro Lucélia, grávida de nove meses e com o desafio de executar uma peça flamenca ate o fim! A Atividade foi de tirar o fôlego... O fôlego da plateia! Magnificamente bem executada! A leitura do tórax estava comprometida. Com a inspiração, o que a tornou ainda melhor! Não havia nada de engraçado, nada exaurido. Nada mágico ou de superação. Nem era Nietzsche quando se referia aos que os achavam loucos porque não podiam ouvir a música! Era pura iluminação... E a celebração antecipada da sua luz!" - Mano Gavazza
4 - Você trabalha dando aulas de Dança do Ventre tradicional, mas em suas apresentações, traz este trabalho mais contemporâneo. Fale mais sobre este estilo em particular.
Como falei anteriormente, o contemporâneo sempre foi meu maior manancial, vamos dizer assim, a fonte de onde jorra minha maior inspiração, por conta da liberdade de expressão que ela proporciona, penso e sinto a dança como livre expressão da alma, sem prisões a técnicas específicas, tempo, espaço ou regras fechadas. Dança para mim é libertação... Arte é libertação... É o que nos torna co-criadores do Criador maior, o que nos dignifica e traz sentido para a existência humana. Como já dizia Nietzsche: "sem música a vida seria um erro"; acrescento: sem arte a vida seria um erro. E o que seria a dança senão o desenho visual da música através do corpo? A dança contemporânea, penso eu, é essa expressão livre e aberta à todas as possibilidades, ao desenvolvimento de diversas técnicas, experimentações, expressões, fusões, inclusive com outras linguagens... não é encantador esse “voo”? Além disso, durante um tempo realizei trabalhos com artes plásticas nessa linha contemporânea (participei de exposições em Piracicaba, Salvador, Rio de Janeiro e a Bienal do Recôncavo, em São Félix e do Grupo Gema de Pesquisa em Arte Contemporânea – que para mim será sempre minha “art family”, como costumo dizer), depois, quando a dança me segurou de vez como profissional, ficou mais difícil de continuar o trabalho como artista plástica (mas continuo atuando como arte-educadora em escolas), entretanto o contemporâneo continuou presente através de experimentações e fusões e a arte visual entra também no processo de criação, como foi no Festival Lumni, ano retrasado, onde incluí a luz negra como recurso visual em duas coreografias (uma evidenciando formas circulares com bambolê e outra inspirada em um dos trabalhos do Momix, que é um grupo norte-americano de dança contemporânea).
5 - Qual a reação do público leigo e profissional diante deste trabalho?
Bom, acho que depende do contexto, mas de modo geral ouço mais pontos positivos. Tive o privilégio de contar com comentários muito bacanas de pessoas que admiro muito e que são referências para mim, como Bela Saffe, Lulu Sabongi, entre outras bailarinas profissionais, e isso realmente é muito recompensador! É raro, mas existem os estranhamentos também. Afinal cada pessoa tem seu gosto e há aqueles que preferem uma linha mais tradicional dentro da dança, o que não excluo também, e em diversas apresentações sigo essa linha quando sinto que é mais conveniente para a ocasião, contexto ou ao público q irá assistir.
6 - O que é mais importante quando você dança em público?
Pra mim em particular é a expressão de algo que possa contribuir para a vida do outro, para um encantamento de mundo, de vida, para entrar em contato com um sentimento bom, mas penso muito no contexto em que vou dançar antes de escolher o tipo de apresentação que vou fazer e procuro estar atenta ao público para adequar essa escolha, sempre buscando levar algo que possa de algum modo tocar a alma de quem assiste.
7 - Como é o seu processo de criação de coreografia?
Ah depende muito... às vezes parte de uma música que ouço... às vezes da necessidade de expressar algo específico no momento, às vezes o processo inicia com uma conversa, uma idéia que surge de modo despretensioso e informal, mas iniciado com uma palavra, um insight, um clique qualquer que me acende a vontade de realizar uma coreografia. Penso muito em simbologias, sentimentos, histórias... a música, claro, é fundamental e vai me norteando. Apesar de sempre pesquisar a respeito daquilo que vou abordar em uma apresentação, não gosto muito de criar uma coreografia de modo racional ou metódico demais, penso no sentimento, na expressão da ideia e que movimentos podem ser associados a isso, deixo fluir e depois vou peneirando o que vai ficando mais interessante. Gosto muito de criar p coreografias em grupo porque abrem mais possibilidades e dinâmicas de espaço e interação. Quando realizo solos nem sempre coreografo, às vezes apenas delimito alguns pontos chaves da música e deixo que a experiência e a emoção do momento me guie através do improviso e a fusão de movimentos, acho que é um processo mais natural e genuíno em determinados casos, acredito que muitas vezes (principalmente na dança árabe) o sentimento e emoção que a música expressa são mais importantes que tentar fazer coisas mirabolantes para impressionar.
8 - Como bailarina, quais métodos ou rotinas diárias você pratica para cuidar do seu corpo?
Não tão diferente do que outros profissionais praticam, como alongamentos, atividades de aquecimento e flexibilidade comuns a diversos educadores da área de educação física e afins. A própria rotina da dança já permite esse direcionamento de atividades de modo gratificante e não apenas extenuante, o que é diferente enquanto mediadora de acordo com cada grupo.
9 - Sabemos que você atua na produção de eventos. Quais eventos você produz atualmente ou já produziu?
Anualmente realizo os Festivais de Dança Oriental do CUCA e Maestro Miro, mas sempre que tenho oportunidade procuro realizar eventos de dança em outras ocasiões como forma de tentar contribuir para uma cultura mais sofisticada em nossa cidade, de trazer uma transformaçãozinha nesse cenário de "pagodes e arrochas" que está espalhado por aí. Neste sentido realizei as Noites do Oriente, o Ethnos Dance (em conjunto com a Trupe Mandhala e Leidi Kitai Ateliê Tribal), fui parceira de Mano Gavazza na produção do Conto o Canto de Minas e outros projetos, com eventos musicais, além de alguns workshops de dança e diversos eventos em outras cidades e na Europa.
Atividade em Arte-educação em Genebra
10 - Quais as maiores dificuldades em trabalhar com dança atualmente? A falta de apoio e de valorização do profissional de dança. Aqui em Feira, inclusive, é extremamente complicado realizar eventos por falta de apoio e recursos.
11 - O que há de diferente hoje nas danças orientais/ ou na dança em geral de quando você começou profissionalmente?
Hoje as fusões são cada vez mais usadas pelas bailarinas, mesmo aquelas que não seguem a linha do Tribal Fusion estão fazendo misturas da Bellydance com outros ritmos e experimentando outras possibilidades dentro da dança, reformulando o tradicional de algum modo, pesquisando. Existe hoje uma busca por tornar a Dança Árabe reconhecida, tanto no meio cênico como espetáculo de produção mais elaborada por algumas profissionais, como também ser reconhecida como uma dança com técnica definida como ocorre com o Ballet Clássico e a Dança Moderna. Infelizmente, por ser uma modalidade não estudada nas faculdades de dança, a Dança Árabe sofre muito preconceito inclusive no próprio meio artístico, mas com as fusões e o trabalho de pesquisa que algumas bailarinas vêm realizando (no qual humildemente me incluo...rs) isso está começando lentamente a mudar, e isso é um ponto positivo.
12 - Qual o seu maior aprendizado em todo estes anos de prática na dança?
Acho que aprendemos um bocadinho todos os dias. Aprendo muito com minhas alunas, com seu processo de aprendizado, observando, ouvindo e buscando atender suas necessidades. Acho que não tem uma coisa específica, é um grande mosaico com diversos momentos especiais. O que mais me comove é ver o crescimento delas, a transformação, tive o privilégio de acompanhar e ver de perto algumas alunas que mudaram bastante mesmo com a dança e que compartilharam comigo dessa mudança. Sempre tento aprender, me reciclar na medida que posso para acompanhar essas necessidades além das minhas próprias na busca por ampliar o repertório e desenvolver algumas criações.
13 - Quais conselhos você dá às bailarinas que estão iniciando na dança?
Usar a dança para se conhecer acima de tudo. Porque passamos por diversas fases de aprendizado, mas o que nos move adiante e nos leva a permanecer é essa descoberta, é se perceber ampliando horizontes a cada etapa, cada dificuldade corporal que surge no caminho nos diz algo sobre nós mesmas.
14- Como é o cenário das danças orientais na cidade de Feira de Santana?
Hoje é mais amplo, mais difundido, mas ainda com muitas dificuldades, porque a cultura de modo geral não é valorizada aqui. Acho que as bailarinas deveriam se unir mais, buscar criar um grupo, como existe em Salvador uma associação só de dançarinas orientais. Mas entendo também que na área artística entra em jogo o ego de cada um, além da identidade pessoal e linha de trabalho de cada bailarina, e lidar com tudo isso para criar um grupo coeso de trabalho, pesquisa ou criação na área exige não apenas maturidade, mas muito conhecimento de si mesmo também para se valorizar e, ao mesmo tempo, dar espaço ao outro na mesma medida.
15 - Quais os principais desafios e dificuldades em se trabalhar com dança em Feira de Santana?
A falta de cultura da cidade. Feira é regida pelo comércio e esse pensamento comercial rege inclusive a relação da maioria das pessoas com a cultura (pensando de uma forma geral, claro) então tudo acaba se tornando “barganhável”, no sentido da camada que investe (parcamente, diga-se de passagem) na cultura estar mais preocupada com o retorno que poderá ter em troca desse investimento do que com a qualidade e a mudança cultural de fato. E a coisa vira um ciclo vicioso porque a maior parte da população não tem acesso a cultura de qualidade. Na verdade essa é uma realidade que os artistas têm vivenciado em todo o país, mas em Feira isso se torna mais gritante porque se escuta o que é vendável, o que pode render lucros, e o que tem rendidos lucros na Bahia tem sido o pagode, o arrocha... sem preconceitos, mas nunca vi ninguém abrir o fundo do porta-mala do carro para ouvir Caetano, Chico Buarque, ou qualquer outro estilo de música onde a letra fale de outras coisas que não denigrem a mulher ou estabelecem relações que não sejam de violência ou baixo nível linguístico. Infelizmente a ignorância tem vendido mais do que o conhecimento, e assim como isso se reflete na área musical se reflete também da dança (que tem relação direta com a música). É uma realidade difícil de lidar.
16 - Existem investimentos na cidade voltados para este setor?
Pouquíssimos e de modo pouco eficaz. Mesmo nos espaços de aula falta uma manutenção adequada de equipamentos e o professor da área artística não tem direitos de trabalho como em outras áreas, como carteira assinada, plano de saúde, etc. Além disso para a realização de espetáculos contamos com muitas limitações e dificuldades, sejam por questões técnicas ou financeiras.
Mitsuyana e seu esposo Mano Gavazza em Frankfurt - Alemanha.
17 - Fale sobre a expansão internacional da sua carreira? O que já foi realizado fora?
Foi uma reciclagem maravilhosa e a reação do público foi de surpresa em perceber que no Brasil também se faz um trabalho de qualidade com a dança. O público na Europa não interage nem tem o calor humano daqui, mas reconhece e respeita quando um trabalho é bom. Lá tive a oportunidade de assistir alguns espetáculos e aulas mais voltadas para o contemporâneo, porque a Dança Árabe na Alemanha tem menos projeção do que aqui no Brasil, mas é o berço de grandes bailarinos como Pina Baush e Rudolf Laban, fundador de toda a base da dança moderna. Na Alemanha tive oportunidade de fazer apresentações em Frankfurt, Munique e outras cidades na região da Bavária, levando também a fusão com a música brasileira junto com meu esposo, Mano Gavazza que é músico profissional. Estivemos também em Genebra/Suíça, realizando atividades com Arte-educação e Educação Inclusiva, além de Portugal e para fazer contatos para trabalhos posteriores. O contato com outras culturas sempre é engrandecedor para nosso espírito e processo criativo, pois traz novos olhares e perspectivas em nosso modo de ver o mundo. Pra mim em particular, que realizo essa pesquisa de fusão com a dança contemporânea, me trouxe grandes aprendizados.
Mitsuyana em apresentação na Europa
18 - Quais os seus planos para o futuro?
Pretendemos retornar à Europa daqui a um tempo e levar também esse trabalho de fusão com o contemporâneo e com a cultura brasileira para outros países aqui na América do Sul, além da montagem de espetáculos numa linha menos tradicional e mais experimental.
19 - E o que pretende realizar este ano?
Este ano quero muito formar um grupo de pesquisa em dança e experimentações cênicas com o corpo, além da montagem dos espetáculos de Dança Oriental que acontecem todos os anos com os grupos do Maestro Miro e CUCA. Quero também aprofundar os estudos em Psicologia e Psicomotricidade voltado para as atividades em Dançaterapia no Centro de Cultura Maestro Miro em conjunto com educação inclusiva que venho realizando.
Contato: mitymatsu@yahoo.com.br
Aulas de Dança do Ventre e Dança-terapia - CUCA (Centro Universitário de Cultura e Arte) e Maestro Miro
*Entrevista feita por Mariana Braga Figuerêdo da Trupe Mandhala para o site do Feira Coletivo Cultural
*Entrevista feita por Mariana Braga Figuerêdo da Trupe Mandhala para o site do Feira Coletivo Cultural
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